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Autor Tópico: Relatos de um ás  (Lida 3341 vezes)

Offline SethAngellus

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Relatos de um ás
« Online: Março 10, 2008, 07:20:24 pm »
Pessoal, o trecho a seguir foi traduzido do livro do piloto alemão Adolf Galland, que relata suas memórias durante a batalha da inglaterra e sua admiração pela honra e heroísmo demonstrados pela RAF:

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Segundo as estimativas alemãs, os 2.500 aparelhos da Luftwaffe iriam defrontar-se com cerca de 3.600 aviões estacionados nas Ilhas Britânicas. Contudo, esta inferioridade numérica era compensada, pelo menos em certa medida, pela nossa superioridade no domínio técnico: em 1940, o Messerschmitt 109 podia considerar-se, sob muitos aspectos, o melhor caça do mundo. O Spitfire Vickers-Supermarine, o último modelo de caça britânico, era-lhe ligeiramente inferior no que se referia à velocidade porém mais manejável. Quanto ao velho Hawker-Hurricane, com o que estavam ainda formadas nessa época a maior parte das esquadrilhas inglesas, fora ultrapassado peio Messerschmitt 109, em todos os pontos de vista. Igualmente o armamento e munições alemães eram incontestavelmente superiores a tudo o que a RAF podia apresentar então. Além disto, o motor do Messerschmitt 109 tinha bombas de injeção em lugar do clássico carburador dos motores ingleses, o que o impedia de "morrer" nas fortes desacelerações que podem produzir-se no decurso de um combate aéreo. Os pilotos ingleses acossados por um caça tentavam, em geral, escapar com uma meia volta seguida de um meio looping, enquanto que os alemães podiam segui-los com uma simples guinada em ângulo reto, o motor a toda força (e também com os olhos saltando das órbitas).

Hitler não conhecia e não admitia senão uma estratégia: a ofensiva.

E os êxitos iniciais firmavam-no nesta maneira de ver. Esmagar o inimigo sob uma espécie de rolo compressor aéreo, sufocar qualquer resistência com bombardeamentos maciços, eis os métodos que correspondiam admiravelmente à sua estratégia de guerra relâmpago. Era necessário abater o inimigo pelo emprego simultâneo de todos os meios ofensivos antes que ele se pudesse refazer suficientemente e reduzir o atacante à defensiva. O primeiro chefe do Estado Maior da Luftwaffe, o General Wever, morto em 1936 no acidente do aparelho que ele próprio pilotava, partilhava também deste mesmo método. Perfeitamente de acordo com Hitler e Goering, entregou-se unicamente ao desenvolvimento dos bombardeiros. E isto de tal maneira que os caças desempenharam, desde o princípio, um papel de segundo plano. De certo modo, apenas os toleravam como um mal necessário, uma concessão inevitável às necessidades hipotéticas da defensiva. A Luftwaffe era, assim, instrumento essencialmente ofensivo que necessitava ser dotado com o máximo de bombardeiros. Estes aparelhos, graças ao seu ataque fulminante, deviam conquistar o indispensável domínio do céu pela destruição da aviação inimiga no solo.

No caso de este ataque de surpresa não dar os resultados desejados, então se resolveria mandar escoltar os bombardeiros por aviões de caça. Mas isto era somente uma possibilidade longínqua e aborrecida, porque tal escolta reduziria o raio de ação, já limitado, dos bombardeiros, e diminuiria as suas possibilidades estratégicas.

O primeiro ano de guerra confirmou, de certa maneira, estas concepções do Alto Comando alemão. Tanto na Polônia como na França, as forças aéreas inimigas foram esmagadas no solo muito mais do que aniquiladas em combate. Mas, atualmente, somos obrigados a admitir que, contra a RAF, a Luftwaffe não ia ter um adversário fácil. Desde o princípio da Batalha da Inglaterra verificamos o que logo poderíamos ter suposto quando dos primeiros duelos aéreos na campanha da França: os britânicos possuíam uma aviação de caça numericamente fortíssima, pilotada melhor do que a nossa graças ao seu avanço no domínio do radar e com pilotos admiravelmente treinados, dando provas de uma extraordinária combatividade. E isto de tal modo que os caças alemães se encontravam perante uma missão que ultrapassava muitíssimo o quadro operacional e as tarefas que lhes tinham sido entregues até então: pedia-se-lhes, nem mais nem menos, que aniquilassem os caças britânicos através de uma série contínua de grandes batalhas, para se conquistar a supremacia aérea indispensável à execução dos bombardeios maciços que deviam seguir-se.

Estavam, pois, lançados os dados. Em julho de 1940, as 2ª e 3ª Frotas Aéreas tomaram posições ao longo do Canal da Mancha. A minha própria unidade, o 3º Grupo da 25ª Esquadra de Caça, instalou-se num aeródromo perfeitamente camuflado, perto de Guines, no Pas-de-Calais.

Então, desde o dia 24 de julho ao dia 8 de agosto de 1940, as operações foram confiadas essencialmente aos caças. No dia do início das hostilidades, enviaram-me, pela primeira vez com o meu grupo, para sobrevoar o território britânico. Na região da baía exterior do Tâmisa travamos um violento combate com alguns Spitfire que escoltavam um comboio. Arrastando na minha esteira o grupo do Estado Maior, lancei-me sobre duas seções de Spitfire. Uma comprida espiral descendente permitiu-nos atacá-los de surpresa, em condições extremamente favoráveis. Consegui colar-me atrás do aparelho do flanco esquerdo e, como ele tentasse uma guinada empinada, aproveitei logo para lhe descarregar uma forte rajada de metralhadora. Atingido no centro da fuselagem, o inglês derrapou sobre a asa e despencou como uma pedra. Piquei em sua perseguição, mas logo vi destacar-se, quase diante da minha hélice, o teto de sua carlinga. O piloto saltou e alguns segundos depois o aparelho embatia com as ondas. Uma centena de metros adiante, um segundo esguicho de água, este menor, marcou a queda do piloto. O seu pára-quedas não se abrira. Este primeiro encontro custou-nos dois aparelhos. Uma perda demasiado pesada, embora fosse muito compensada por três vitórias confirmadas. De volta à base, olhamo-nos pensativos. Agora já sabíamos que a Royal Air Force era um adversário à altura.

A partir de 24 de julho de 1940 a aviação de caça alemã, na frente da Mancha, estava em serviço quase permanentemente. Cada aparelho saía, em média, duas ou três vezes por dia. Em geral redigia-se a ordem das missões da seguinte maneira: "Caça livre por cima do Sudeste da Inglaterra." Um programa que deixava grande iniciativa aos comandantes de esquadrilha, mas que impunha, aos pilotos, um enorme esforço físico e de nervos.

Depois da decolagem, as formações agrupavam-se ainda sobre o continente, a uma altitude de 5.000 a 6.000 metros, para logo subirem, durante a travessia da Mancha, até os 7.000 ou 8.000 metros. Como, de cada lado, se procurava dominar o adversário, os combates desenrolavam-se a altitudes cada vez maiores. O meu próprio recorde, nesta época, situava-se a cerca de 8.200 metros. Mas encontravam-se já Messerschmitt e Spitfire a mais de 9.000 metros, demasiadamente perto do limite inferior da estratosfera numa atmosfera rarefeita, onde se viam de longe as esteiras da condensação dos gases.

Do campo de partida até à costa inglesa, no trecho mais estreito do canal, levávamos cerca de meia hora. Como possuíamos uma autonomia de vôo de oitenta minutos, já não dispúnhamos, por isso, de mais de vinte minutos para desempenharmos a nossa missão. Por causa deste fato a nossa penetração no espaço aéreo inimigo continuava de tal maneira limitada que os aparelhos estacionados no Pas-de-Calais e em Cotentin não podiam ultrapassar o sudeste da Inglaterra. Os círculos máximos da sua intervenção, traçados ao redor das respectivas bases, com um raio de ação de 200 quilômetros, acabavam exatamente na região de Londres. O território situado para além desta zona conservava-se praticamente inacessível para nós. E aqui residia o ponto fraco da nossa ofensiva. Para uma defesa aérea local, tal como fora, inicialmente, destinada à aviação de caça, este raio de ação de 200 quilômetros era então suficiente; para a missão que nos fixavam agora, já não era.

Foi no decorrer da Batalha da Inglaterra que se aventou a hipótese, pela primeira vez na história militar, do compromisso de uma poderosa força aérea com vista a um fim estratégico. O agente da execução da estratégia aérea é o bombardeiro. Ora, não se podia confiar a esses mesmos bombardeiros a ofensiva, mas sim aos caças, arma considerada até então essencialmente tática. Em Berlim esperavam que o aparecimento das nossas esquadrilhas sob os territórios que nos eram acessíveis atrairia a quase totalidade da aviação de caça britânica. Em suma, era transposta para plano aéreo a idéia que resultara, em 1916, na Batalha de Verdun. Ludendorff quisera fixar, usar e destruir o Exército francês. Goering julgava-se com possibilidades de infligir a mesma sorte à RAF. Assim, pensava-se obter o domínio do céu, ou, pelo menos, uma suficiente superioridade aérea, extensiva ao conjunto das Ilhas Britânicas, que, portanto, ficariam abandonadas aos nossos bombardeios.

Mas as coisas não se passaram desta forma. As nossas esquadrilhas de caça decolaram e travaram-se as primeiras batalhas, mas foram batalhas igualmente custosas para os dois adversários. Do ponto de vista da superioridade alemã, provavelmente chegar-se-ia ao resultado desejado, com a condição de se prolongarem estes encontros durante mais algum tempo. Mas os ingleses não queriam, de forma nenhuma, deixar-se conduzir. Retiraram-se das bases situadas na proximidade da costa sul e concentraram as esquadrilhas de caça, castigadas mas não aniquiladas, num ferrolho em torno de Londres. Em outras palavras, fugiram de uma guerra "no" céu para poderem responder com a máxima energia ao seu seguimento lógico, a uma guerra "vinda" do céu. Os aviões de caça alemães encontravam-se, pois, naquela situação desesperante de um cão amarrado que gostaria de saltar na garganta do inimigo, mas que o tinha sempre fora do seu alcance.

O Alto Comando teve então a idéia de acrescentar às formações de caças alguns bombardeiros e Stuka, imediatamente apelidados de "os engodos". Tática judiciosa foi esta, pois só com o aparecimento dos aparelhos transportadores de bombas apareceu a possibilidade de uma guerra "vinda" do céu, o que quer dizer de um ataque direto ao território inglês. E a grande preocupação dos dirigentes ingleses era impedir esses ataques. De novo apareceram, então, os caças da RAF, mas de uma maneira tão reduzida que os resultados do "efeito de bomba aspiradora", com que se contava do lado alemão, conservaram-se muito limitados.

Durante as primeiras batalhas de caças, os ingleses estavam em desvantagem por causa da sua tática de vôo em formação cerrada. Nós, pelo contrário, já aprendera-mos na Espanha o método da formação aberta, que estendia as diversas seções, patrulhas e esquadrilhas sobre um espaço considerável e as superpunha em níveis diferentes. Esta formação oferecia muitas vantagens: cobertura de um vasto setor, aumento da liberdade de ação dos pilotos, que já não se viam forçados a consagrar a sua atenção essencialmente à manutenção rígida do dispositivo, diminuição da superfície visível da- formação e, acima de tudo, melhoria da visibilidade por parte do piloto. No combate aéreo trata-se, sobretudo, de ver antes de ser visto. Tal como o caçador se aproxima da sua caça até um limite ideal, assim o piloto de caça se esforça por descobrir o seu adversário logo que pode, para se colocar na posição de ataque mais favorável. Este princípio fundamental, os ingleses conheciam-no, evidentemente, tão bem como nós. Em breve deram conta da superioridade do nosso dispositivo e transformaram o deles de acordo com ele. Primeiro, instituíram o sistema dos "Charlies", dois vigias colocados atrás por cima do grosso da formação, e que voavam em ziguezague arredondado. Depois, copiaram simplesmente o nosso dispositivo. Hoje, ainda, a formação aberta e em níveis diferentes mantém-se, com ligeiras modificações, como o método preferido por todas as aviações modernas.

Acrescia que os pilotos ingleses tinham a vantagem de um sistema de radar muito superior ao alemão.

Durante os quatro meses da Batalha da Inglaterra, o seu célebre ground control (controle de terra) teve um papel de primeira importância, dirigindo os aparelhos de segundo a segundo, levando-os ao combate nas condições mais favoráveis e no melhor momento. Os pilotos alemães, ao contrário, não podiam contar mais do que com a sua boa vista. Quando entravam em contato com o inimigo, as suas instruções, recebidas aproximadamente três horas antes, tinham perdido todo o valor, ultrapassadas pela evolução das operações.

Mas havia ainda outros fatores, cada um dos quais pesava sensivelmente na balança. Os nossos ataques, sobretudo os confiados a bombardeiros, eram dirigidos forçosamente contra os pontos mais importantes da defesa britânica. Não podíamos, como mais tarde fariam os Aliados na sua ofensiva aérea, escolher os lugares menos defendidos e mudar continuamente as rotas de ataque para aparecer onde menos se esperava. Pelo contrário, a Luftwaffe só podia lançar ataques frontais contra uma defesa admiravelmente organizada e valente. Ainda por cima, a RAF lutava sobre o seu próprio território. Os pilotos abatidos - se conseguiam saltar a tempo - eram de novo imediatamente utilizados, enquanto que os nossos eram aprisionados. Os seus aviões avariados podiam quase sempre chegar à base ou, pelo menos, aterrar em emergência; contrariamente, uma simples avaria no motor dos nossos aviões significava quase sempre a perda do piloto e do aparelho.

Finalmente, existia também o fator moral. A situação desesperada em que se encontrava a Inglaterra parecia ter estimulado a energia latente desse povo duro e consciente da sua grandeza histórica, energia que os dirigentes da Grã Bretanha concentravam numa só finalidade: impedir, a qualquer preço, a ofensiva alemã.

Desta maneira, tivemos de concluir, ao fim de algumas semanas, que, apesar da impressionante lista dos aviões inimigos abatidos, nunca chegaríamos a conquistar o domínio, nem sequer relativo, do ar. O Estado-Maior alemão, já indeciso quanto à prioridade dos nossos objetivos, começou a vacilar. Recebemos ordem de atacar as bases britânicas, em vôos rasantes, e isto foi empresa difícil e extremamente perigosa. Os aeródromos ingleses estavam protegidos por uma defesa antiaérea muito bem aparelhada composta de peças médias e leves. Dispunham também de uma nova arma: um balão fusiforme seguro por cabos que pendiam em forma de pára-quedas, obstruindo as camadas inferiores do ai sobre o campo de aviação. E como a RAF tinha alcançado um alto grau de perfeição na camuflagem dos aviões em terra, o número de aparelhos inimigos destruídos nas suas bases nunca justificava as nossas próprias perdas.

Ao mesmo tempo, escoltávamos os Stuka e os bombardeiros encarregados da luta contra Marinha Mercante inglesa. Também neste campo, os resultados obtidos foram desalentadores. Os Stuka, sobretudo, tinham a desvantagem da sua pouca velocidade. Com as bombas presas no exterior, o que aumentava a sua resistência ao ar, o Stuka só conseguia 250 quilômetros por hora. E, como voava a uma altitude máxima de 3.500 a 4.000 metros, atraía os Spitfire como o mel atrai as moscas. Cedo os ingleses perceberam que os Stuka, logo que se separavam da formação para, sozinhos, atacarem em vôo picado, ficavam praticamente indefesos e os caças alemães, muito mais rápidos, com extrema dificuldade de diminuir a velocidade em pleno vôo, eram incapazes de seguir estes vôo; picados, até ao ponto de as perdas de Stuka aumentarem diariamente. E, como é óbvio, responsabilizou-se por isto a aviação de caça - "parente pobre" da Luftwaffe - ao mesmo tempo que esta recolhia fáceis triunfos e dela se esperavam verdadeiros milagres.

Nestas circunstâncias, a ofensiva anunciada ruidosamente pela imprensa alemã não podia acabar senão num fracasso. Goering, porém não deu o braço a torcer. De acordo com os seu cálculos e a cifra oficial das nossas vitórias, aviação de caça inglesa já não devia existir, mas a lista das nossas baixas aumentava. Em nós o otimismo tinha cedido lugar a uma surda irritação. Desesperados pelas contínuas repreensões do Alto Comando, perseguidos por "instruções superiores", sempre diferentes e muitas vezes contraditórias, começamos a criticar abertamente o comando supremo, os construtores de aviões e os chefes das esquadrilhas de Stuka, resumindo, duvidávamos de tudo e de todos inclusive de nós próprios. Nas cantinas dos oficiais, o ambiente era fúnebre. Lançados em holocausto àquele Moloch voraz em que se tinha convertido a Batalha da Inglaterra, os nossos melhores pilotos desapareciam uns após outros. Todos os dias ficava vago mais um lugar à mesa comum. Podíamos contar pelos dedos das mãos as nossas probabilidades de sobreviver pois, simples e implacável, o cálculo das probabilidades permitia a cada um prever a data em que seria dado, por sua vez, como desaparecido em vôo sobre a Grã-Bretanha.

Bastante desmoralizado, fiquei ao mesmo tempo surpreendido e inquieto ao receber um aviso para me apresentar em Karinhall, a faustosa residência de Goering. Iria comunicar-me que tinha caído em desgraça ou, simplesmente, consultar-me na minha qualidade de comandante de uma esquadrilha que combatia na frente do Canal? Para grande alívio meu, o "Gordo" estava de excelente humor. Primeiro me entregou e também a Mölders, o ás dos ases da aviação de caça na frente ocidental, o distintivo de ouro e diamantes que tinha criado para os seus melhores pilotos.

Depois, notificou-nos a nossa promoção a posto de brigadeiro. Ao anoitecer, quando no preparávamos para subir ao seu suntuoso automóvel que ia levar-nos à estação, informou-se dos nossos desejos. Mölders pediu motores mais potentes para os nossos Messerschmitt. Goering deu-lhe uma palmadinha amistosa.

- Tê-los-á bem cedo, meu amigo. Motores formidáveis. E o senhor Galland, o que é que deseja?

- Queria ver a minha esquadrilha composta de Spitfire - disse sem pensar. No mesmo momento, mordia a língua. Já era tarde, tinha deixado escapar essas palavras. Esperava uma explosão de fúria. Mas Goering estava demasiadamente surpreendido para poder reagir.

Deu meia volta e despediu-se resmungando.

Foi a rádio alemã que começou. Por todas as estações, a todas as horas do dia, transmitia uma canção que se tornava marcial à força do rufar de tambores e de zumbidos de motores de aviões e cujas rimas proclamavam com descarada insistência: "Bombas sobre Inglater . . . er . . . erra." Ainda estávamos longe disso. Unicamente durante a terceira fase da Batalha da Inglaterra - digamos do dia 8 de agosto a 7 de setembro - os bombardeiros, cujos ataques até então se tinham limitado aos objetivos marítimos, começaram a atuar sobre o território britânico. Voltaram a atualizar assim a teoria que previa o esmagamento das forças aéreas inimigas em terra. Só que, para realizar esta tarefa, teriam sido necessárias vagas de bombardeiros que escurecessem o céu. Mas a realidade estava muito longe desses sonhos estratégicos.

Uma vez mais, a defesa inglesa aproveitava a insuficiência do raio de ação da aviação de caça alemã. Graças a esta insuficiência, o campo de batalha aéreo não cobria sequer uma décima parte da superfície das ilhas. Nas outras nove, a RAF podia, pois, tranqüilamente, construir aparelhos, formar pilotos, constituir reservas, que se lançavam no momento oportuno sobre o estreito teatro de operações, principalmente na região londrina. Churchill, nas suas "Memórias", reconhece a situação difícil dos caças ingleses, superados no início dos combates pela Luftwaffe e salvos in extremis por uma concentração total de aviões que permitiu preencher os vazios melhor ou pior; concentração que teria sido impossível se a Luftwaffe tivesse podido cobrir todo o território britânico.

Unicamente um bombardeiro de grande raio de ação podia dar à Luftwaffe esta possibilidade. E este bombardeiro estratégico não existia ainda no arsenal do Reich. Depois de muita dúvida, adotou-se o Heinkel 177, um quadrimotor no qual dois motores acoplados impeliam a hélice. Hitler, que mais de uma vez deu prova de sua grande intuição em matéria de motores, fez algumas objeções ao sistema; provou-se posteriormente estarem justificadas, pois a referida junção originou uma enorme quantidade de dificuldades técnicas que atrasaram o fabrico em série destes aparelhos durante perto de três anos. Aconteceu, por outro lado, que Hitler, daí por diante, passou a invocar a exatidão das suas previsões para intervir continuamente no desenvolvimento técnico da Luftwaffe, com resultados catastróficos quase sempre.

Fosse porque fosse, em 1940, o bombardeiro estratégico ainda não existia senão na imaginação de alguns profetas. Só muito mais tarde quando Doenitz, nomeado comandante-chefe da marinha, exigiu aparelhos capazes de apoiar os submarinos que operavam no Atlântico, lembraram-se do Heinkel 177 e foi iniciado o seu fabrico. O aparelho foi utilizado, pela primeira vez, durante o inverno de 1942-1943 para abastecer o VI Exército, encurralado em Stalingrado. Os êxitos espetaculares da Luftwaffe no princípio da guerra e ainda a secreta aversão de Hitler a uma guerra total contra a Inglaterra deixaram esta questão, pelo menos nas aparências, em segundo lugar, para não dizer no último.

De modo que tivemos de resignar-nos a lançar a nossa ofensiva contra uma parte limitada e, por conseqüência, fortemente protegida, do território britânico. Porém, esta parte incluía Londres, capital e coração do Império. Cidade de sete milhões de habitantes, centro intelectual e nervoso da atividade militar e política, importante porto e aglomerado industrial, em Londres um objetivo de importância excepcional. O fato de que este objetivo fosse acessível aos bombardeiros escoltados pela aviação de caça figurava como fator positivo no plano da ofensiva alemã.

Nós, os pilotos de caça, à beira do desespero porque nos tinham encarregado de uma tarefa superior às nossas forças, esperávamos impacientemente o começo dos bombardeios. Finalmente, pensávamos, os caças ingleses serão obrigados a sair do seu covil.

Mais uma vez Goering veio à frente do Canal para dar o sinal da nova ofensiva. Quando, na tarde do dia 7 de setembro, se agruparam as esquadrilhas alemãs por cima da costa - Stuka, bombardeiros, caças, caça-bombardeiros mais de 1.000 aparelhos ao todo - e esta força a maior conhecida até então, rumou para Londres, todos compreendemos que vivíamos um momento histórico. A Batalha da Inglaterra entrava na sua quarta fase.

Hoje é fácil troçar das esperanças que pusemos neste ataque. Sabemos que um número duplo ou triplo de bombardeiros, com uma carga quádrupla ou quíntupla de bombas, providos de dispositivos de pontaria aperfeiçoados e empregando uma tática infinitamente melhor, não conseguiria aniquilar, nem sequer paralisar, uma cidade como Berlim, apesar dos seus incessantes ataques.

Mas, naquela época, o primeiro bombardeio em massa de Londres constituía empresa enorme; um passo decisivo em terreno inexplorado. No decorrer desse ataque - o primeiro dos trinta e oito vôos importantes sobre a região londrina - a Luftwaffe ainda se contentou em bombardear apenas as instalações portuárias e os depósitos de gasolina.

Só mais tarde se estenderam os ataques a outros objetivos. Os aparelhos lançavam bombas explosivas de 25, 50, 500 e 1.000 quilos. A carga oscilava entre 1.000 e 1.800 quilos por aparelho. O peso total das bombas lançadas durante um ataque era de aproximadamente 500 toneladas. Mas estas 500 toneladas dividiam-se em um número excessivo de objetivos pequenos.

A unidade de ataque era geralmente a esquadrilha de bombardeio - entre 50 e 80 aparelhos - escoltada por uma esquadrilha de caça. Cada reide reunia de 400 a 500 bombardeiros e 200 Stuka, mais a proteção de 500 caças e 200 caça-bombardeiros, aproximadamente.

Infelizmente, os chefes da Luftwaffe continuavam aferrados à classificação estabelecida pelos teóricos: o bombardeiro é uma arma ofensiva, o caça uma arma defensiva. E isto, que sobre o papel é exato, não o é na realidade no ar. Em vôo, o bombardeiro só atua na defesa, enquanto que o caça, sob pena de se transformar num adorno inútil, tem sempre de lançar-se ao ataque. Ora, a juízo do nosso Estado-Maior, como a aviação de caça não tinha podido limpar o céu das forças inimigas, devia limitar-se na fase sucessiva a proteger os bombardeiros. Era uma tática insensata, que nos paralisava completamente. E, na prática, teve este resultado: designou-se para cada esquadrilha de caça uma formação determinada de bombardeiros, a qual, em nenhum caso, devia abandonar. Isto produziu uma confusão indescritível. Numerosos grupos de bombardeiros chegavam com atraso ao encontro sobre o Canal, de tal forma que os caças designados para a sua escolta se encontravam ante uma penosa alternativa: como não podiam continuar à espera, ou regressavam à sua base - o que teria levado os pilotos a corte marcial - ou uniam-se a outra formação. Esta ficava então duplamente protegida, enquanto que os atrasados iam enfrentar as defesas inglesas sem escolta alguma. O resultado foi uma catástrofe: quarenta e oito horas depois do começo da ofensiva, foi preciso retirar do combate as esquadrilhas de Stuka, ou melhor, o que delas restava. Goering insultou-nos a torto e a direito e ameaçou suprimir, pura e simplesmente, a aviação de caça.

Entretanto a batalha prosseguia cada vez mais dura, fazendo estragos desanimadores. Os combates com os caças britânicos continuavam a ser rudes e violentos. Um dia, ao regressar de um ataque em massa sobre Londres, descobri, ao norte de Rochester, uma formação de 12 Hurricane. Atacando por detrás, consegui graças a uma diferença de altura de 800 metros, lançar-me no meio do grupo. A minha primeira descarga fez rebentar um aparelho, cujos destroços pouco faltou para que atingissem o meu avião. Afortunadamente, os ingleses assustaram-se ainda mais do que eu. Aproveitando a confusão geral, desviei-me com uma brusca volta, que me permitiu ver, 1.000 metros mais abaixo, os cogumelos de dois pára-quedas. Satisfeito, rumei para a França. Acabava de voar sobre Dungeness, quando avistei, muito mais abaixo, um Hurricane isolado. Um vôo picado frontal colocou-me em boa posição de tiro. À segunda rajada de metralhadora, o aparelho incendiou-se. Mas, em vez de cair, continuou o seu vôo, seguindo uma linha ligeiramente sinuosa. Alcancei-o ainda três vezes, sem conseguir abatê-lo. Não era mais do que um destroço, crivado de balas, com um penacho de fumo e chamas; e, no entanto, este destroço mantinha-se no ar. Intrigado, reduzi a distância ao mínimo. E vi então, na carlinga aberta de par em par, um morto com as mãos crispadas sobre a alavanca de comando. Suavemente o aparelho descia sobre os campos enevoados. Não me senti capaz de voltar a disparar.

O limitado raio de ação de um Messerschmitt demonstrava cada vez mais ser uma desvantagem decisiva. Numa só operação, a minha esquadrilha perdeu - não contando com os aviões derrubados pelo inimigo - 12 aparelhos, e isto porque, ao fim de duas horas, a formação de bombardeiros que escoltávamos não tinha ainda podido regressar ao continente. Cinco destes aviões puderam, com as últimas gotas de combustível, chegar a uma praia normanda e aterrar de barriga, manobra que os reduzia a sucata. Os outros sete tiveram de amarar no Canal da Mancha.

A experiência tinha-nos ensinado que era preferível amarar a saltar para o mar em pára-quedas. O aparelho, antes de afundar, flutuava geralmente quarenta ou cinqüenta segundos, dando ao piloto um intervalo suficiente para se desatar e sair da carlinga. Tinha então muito boas possibilidades de ser retirado da água pelos velozes barcos de salvamento marítimo. Era verdade que o colete salva-vidas e a canoa pneumática, o pacotinho de pós corantes e a pistola de sinais estorvavam na carlinga, estreita; mas, no momento crítico, a todos nós alegrava muito tê-los à mão.

No dia 24 de setembro, a minha quadragésima vitória aérea deu-me as Folhas de Carvalho. Hitler, pessoalmente, devia fazer a entrega em Berlim. O Führer recebeu-me na sua nova chancelaria. Era a Segunda vez que estava sentado diante dele. Para grande assombro meu, não representou, nem por um momento, o papel do chefe sobrecarregado de trabalho. Pelo contrário, interrogou-me minuciosamente sobre as minhas impressões pessoais. Não lhe escondi a minha admiração pelo adversário contra o qual lutávamos no céu inglês. Segundo julgo, os caças britânicos, em condições de inferioridade, tanto numérica como técnica, tinham salvo a sua pátria no momento de maior perigo, graças à sua tenacidade e à sua dedicação. Eu sentia-me, pelo menos, no dever de protestar contra certos comentários da imprensa e do rádio que falavam da RAF em tom desdenhoso e arrogante. Fiquei pasmado ao ver que Hitler, longe de tomar a defesa do seu serviço de propaganda, concordava plenamente comigo. Ele também, declarou, sentia o maior dos respeitos pelos ingleses e lamentava esta guerra, que se via obrigado a mover-lhes, uma guerra até à morte, que não podia terminar sem o aniquilamento de um dos antagonistas.

Confesso que, ao sair da chancelaria, estava profundamente impressionado. Hitler conseguira aplacar completamente a minha amargura.

De Berlim, fui à Prússia Oriental, convidado por Goering para passar uns dias no seu pavilhão de caça. Era a época em que os veados bramiam nas profundidades dos bosques e, todas as noites, os batedores tocavam a corneta de caça ao longo do percurso previsto para o dia seguinte. Goering tinha-me reservado, além das suas felicitações, uma surpresa de primeira qualidade: um excepcional veado que cuidara e guardara muito tempo como se fosse a menina dos seus olhos e agora me oferecia, não sem pesar. Vinte e quatro horas mais tarde, pude ver que ele não exagerara. Era realmente um magnífico animal, de impressionante galhada. Agradeci expressivamente ao meu anfitrião e, depois de um almoço perfeito, preparei-me para me despedir. Mas Goering reteve-me ainda. Já recebera os relatórios diários das 2ª e 3ª Frotas Aéreas e queria examiná-los comigo. Entretanto, disse-me, podia passear pelas margens do lago. Quanto a ele, tinha "papelada para despachar".

Duas horas mais tarde, um oficial subalterno veio buscar-me e introduziu-me no gabinete onde o marechal trabalhava. Em lugar do homem que, durante o almoço, tinha gracejado despreocupado, encontrei-me com um homem aterrado. Com gesto cansado, mostrou-me os relatórios que acabava de receber. Dei-lhe uma rápida vista de olhos. As notícias eram catastróficas: no último ataque a Londres tínhamos tido baixas ainda mais elevadas do que no princípio da ofensiva.

Goering, muito alterado, pediu-me que lhe dissesse a verdade, sem tentar disfarçá-la. Não podia compreender por que razão as nossas perdas de bombardeiros aumentavam sem cessar. Repeti-lhe o que explicara a Hitler: apesar do número considerável de caças ingleses abatidos, não podíamos comprovar, no inimigo, nenhuma redução decisiva dos efetivos nem uma diminuição, mesmo ligeira, do seu moral. Pelo contrário, a RAF devolvia golpe por golpe.

A Inglaterra mostrava então ao mundo até que limites de valor e heroísmo é capaz de se levantar um povo decidido. Anos mais tarde, o povo alemão iria, pelo seu lado, demonstrar o mesmo.

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Re: Relatos de um ás
« Resposta #1 Online: Março 10, 2008, 09:15:31 pm »
ooo rapaz... otima leitura.. posta mais desses trem... isso fez meu tempo passar bemmm rapido aki no trabalho ^^

adoro essas historias ... da uma sede d voar fodenha xD

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Offline Ray

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Re: Relatos de um ás
« Resposta #2 Online: Março 11, 2008, 10:58:32 am »
mt bom msm, meu tempo tbm passou bem rapido aqui no trabalho hehe  ^_^